Depois de falar das origens da música portuguesa, centramo-nos agora em algumas das canções em português que mais estão presentes no imaginário coletivo das duas últimas gerações e com o conhecimento do momento em que escrevermos este artigo, no ano 2022. O que é inegável é a influência que todos os cantores, compositores ou grupos recebem da sua tradição musical, do fado. É aí que vamos tentar colocar o foco, na verdade.
Naquele jeito de arrastar palavras, de cantar devagar, de falar de sentimentos, de dedilhar aquela guitarra portuguesa que toca ao fundo ou mesmo dos ritmos clássicos usados até nas músicas mais rock. Tudo faz parte dos traços mais característicos das diferentes músicas de Portugal, agora e sempre.
Mas esta evolução não implica o desaparecimento do fado, nem que deixe de ser cantado; pelo contrário, há fadistas como Mariza ou Ana Moura que se mantêm fiéis ao grande género da música portuguesa, mas dando-lhe um toque moderno, renovado e fresco. Felizmente para nós, se não podemos viajar para Portugal, podemos desfrutar da emoção que transmite graças aos concertos ao vivo que muitos destes artistas realizam de vez em quando no nosso país (Espanha). E espero que possamos continuar a aproveitar muito mais essa experiência.
A melhor música portuguesa dos anos 2000: 21 cantores portugueses modernos
Depois de vos ter falado e recomendado alguns grandes clássicos da canção portuguesa, agora é hora de falarmos da música portuguesa mais atual, aquela que surgiu como resultado dos anos 2000, abraçando novamente o fado, mas misturando-o com outras formas musicais e gêneros mais atuais.
Nas linhas que se seguem, vamos aprofundar alguns dos grandes temas da música em língua portuguesa, sem deixar de mencionar junto com alguns dos grandes grupos e artistas portugueses da atualidade. Porque se Portugal tem algo, entre muitas outras coisas, é que demora a esquecer os seus cantores.
Corzinha de verão, de Deolinda
Deolinda é um grupo de música popular portuguesa composto por 4 membros: 2 irmãos, a prima e o marido (tudo fica na família). Inspiram-se no fado e nos grandes nomes da música portuguesa, como Amália Rodrigues, José Afonso ou António Variaçoes, embora lhe dêem um toque pessoal, sem guitarra portuguesa e com canções mais alegres e divertidas.
A música de 2016 Corzinha de verão é um lamento bem-humorado por ter azar, sair de férias e ter mau tempo, enquanto todos os outros têm sorte e bom tempo. O videoclipe é muito engraçado, Ana Bacalhau, vocalista do grupo, é vista, muito calorosa e triste, cantando em cenários como um museu de pintura ou na própria praia, enquanto seus companheiros aproveitam o bom tempo.
Maria Albertina, de Humanos
Humanos é a banda portuguesa que foi criada em 2004 para cantar músicas inéditas de António Variações que o seu irmão tinha guardadas após a sua morte. É composto por vários músicos portugueses que já fizeram carreira sozinhos ou fizeram parte de outros grupos. É o caso do Canamé, ou do Hélder Gonçalves, pertencente ao grupo Clã. O grupo se desfez em 2008.
A música, com um ritmo alegre e cativante, fala-nos do espanto ao saber que Maria Albertina decidiu dar à filha o nome de Vanessa. O videoclipe também é muito engraçado, contando a história da cabeleireira Maria Albertina e vendo os integrantes do grupo cantando e tocando alguns instrumentos curiosos ao ritmo da música.
Como calha, de B Fachada
B Fachada, nome artístico de Bernardo Cruz Fachada, é um cantor e compositor português que fez parte do grupo Diabo na cruz durante os primeiros 3 anos da banda. Foi em 2007 que iniciou a sua carreira a solo com o lançamento do seu primeiro EP, embora só em 2010 tenha conseguido algum reconhecimento.
Esta música, lançada em 2012, tem uma sonoridade que nos faz lembrar a música dos anos 80, com sintetizadores, um ritmo alegre e que te anima a dançar. No entanto, ouvir e entender a letra nos deixou um pouco desconcertados, pois fala de erros cometidos no passado, que nada está certo e não há esperança. Originalidade não falta neste tema.
Pica do 7, de António Zambujo
O estilo de António Zambujo é marcado pelo cante alentejano, género tradicional do Alentejo, região onde nasceu. Este gênero é atualmente considerado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Mais tarde interessou-se pelo fado e com apenas 16 anos ganhou um concurso deste género. Em 2017, ele recebeu uma indicação ao Grammy Latino por seu álbum Até Pensei Que Fosse Minha.
Esta música de 2014 fala-nos da paixão de uma rapariga no eléctrico número 7 e no vídeo vemos ela a imaginar a sua história de amor com o condutor do referido eléctrico. É uma música de ritmo calmo, nostálgico com guitarra portuguesa, acordeão, vários instrumentos de sopro e percussão.
Melhor de mim, de Mariza
Mariza é uma das fadistas mais conhecidas da atual música portuguesa. Nascida no Moçambique português, desde muito jovem teve o fado em mente e à medida que crescia se interessou pelo gospel, R&B e música brasileira. A sua discografia é composta por 9 álbuns, tendo colaborado com artistas espanhóis como Miguel Poveda, José Mercé ou Buika.
Em 2018 atuou ao lado de outra fadista famosa, Ana Moura, no ato de abertura do Eurovisão 2018, realizado em Lisboa graças à vitória no ano anterior em Kyiv do cantor e compositor português Salvador Sobral.
A música de 2015 fala sobre esperança, saber esperar e a certeza de que depois da tempestade vem a calmaria. Tem um ritmo calmo, acompanhado de violão, e nos momentos culminantes Mariza levanta sua voz poderosa como só ela sabe fazer. É tão poderoso que reverbera até trazer ecos de Amália Rodrigues aos nossos ouvidos.
Conto de fadas de Sintra a Lisboa, de Os pontos negros
A banda portuguesa de garage rock surgiu em 2005, embora o seu sucesso tenha vindo em 2008 com o álbum Magnifico Material Inútil, do qual esta música faz parte. Têm mais 2 álbuns que não tiveram tanto sucesso, embora ainda sejam uma banda de rock muito importante em Portugal. Em 2009 eles receberam uma indicação no MTV Europe Music Awards. Seu último álbum é um pouco mais intimista, embora permaneçam fiéis ao seu estilo.
Neste conto de fadas, conta-se uma história de amor de duas pessoas de mundos completamente diferentes que só se encontram realmente quando é tarde demais, como uma espécie de Cinderela. É uma música animada com letras irônicas e um pouco de humor.
Desfado, de Ana Moura
Ana Moura é outra das grandes fadistas da atual música portuguesa. Começou sua carreira em 2003 e não parou desde então, acumulando 6 álbuns até hoje e mantendo o recorde de vendas de discos em seu país. Como já referimos em Mariza, ambos atuaram na abertura do Festival Eurovisão da Canção 2018, que decorreu em Lisboa, que orgulho os portugueses têm destes dois grandes artistas!
A música em si é uma definição de fado, de abraçar sentimentos de nostalgia, de assumir a tristeza como apenas mais um sentimento, não como algo ruim, e outros paradoxos que podem parecer absurdos para nós, mas que fazem muito sentido. Com um ritmo alegre, muito instrumental, a música transmite otimismo, felicidade e vontade de viver.
A Bia Da Mouraria, de Carminho
Carminho é um dos fadistas mais jovens da cena musical portuguesa e vem também da família, já que a mãe e o irmão também se dedicam à música. Em 2005 recebeu o prémio Amália de mulher revelação com apenas 20 anos. À semelhança de outros compatriotas, participou no filme Fados de Carlos Saura e até o povo de Saragoça pôde vê-la atuar em 2008 por ocasião da Expo. Além disso, colaborou com Pablo Alborán, o que foi importante para conhecê-lo em nosso país. Ele tem 5 álbuns em seu crédito e que ele continue nos encantando com sua voz por muitos mais álbuns.
Esta bela canção que nos lembra os fados mais tradicionais com aquele som característico de guitarra, fala sobre o casamento de dois rapazes pobres mas muito apaixonados que se vai realizar no bairro da Mouraria, em Lisboa e que tem todos os vizinhos expectantes e feliz com o evento.
Conjugar Lisboa, de Misia
Misia, nome artístico de Susana María Alfonso de Aguiar, é uma fadista portuense de mãe espanhola e pai português. Isso explica a originalidade de seu estilo musical, combinando tangos, boleros, violão, acordeão, violinos, piano. Além disso, o seu fado, tradicional e poético, tem muita influência de Amália Rodrigues. Misia também canta canções de outros músicos como fado e em várias línguas.
Como não poderia deixar de ser, esta música de 2009 evoca memórias de uma cidade, Lisboa, momentos vividos, lugares especiais que a cantora recorda com carinho e saudade. Basta a sua voz acompanhada de guitarras para apreciar a música e sentir aquela triste alegria característica do fado.
O pastor, de Madredeus
O grupo Madredeus surgiu em 1985 com a ideia de fazer música com raízes portuguesas que não fosse o fado. Eram quatro amigos músicos à procura de um vocalista e após várias audições sem sucesso, encontraram por acaso a voz perfeita de Teresa Salgueiro, que com apenas 17 anos cantava numa taberna por diversão. Assim surgiu o grupo e o seu nome deriva do local onde ensaiavam, perto do convento da Madre de Deus em Lisboa.
Nesta bela canção de 1997 ouvimos a voz doce e emotiva da Teresa acompanhada por guitarra portuguesa, acordeão, violoncelo e teclado. E esta aparente simplicidade transporta-nos para um mundo de sonhos e magia do qual não se quer acordar.
Teresa deixou o grupo em 2008 e foi substituída por Beatriz Nunes como vocalista. Outros membros também deixaram o grupo e outros se juntaram, mas sua produção musical continuou e o grupo tem uma dúzia de álbuns em seu crédito.
Os loucos estão certos, de Diabo na cruz
A banda de rock portuguesa com toques de folclore tradicional surgiu em 2008 da mão de Jorge Cruz, um rapaz que tinha o sonho de formar uma banda, e assim foi com as adições de Juan Pinheiro, Bernardo Barata, B Fachada e Juan Gil. Eles lançaram seu primeiro álbum em 2009 e após quatro álbuns e algumas mudanças de membros em 2019 anunciaram a dissolução do grupo. É uma pena, mas felizmente eles nos deixaram um bom número de músicas para curtir.
Como essa de 2009, por exemplo, cheia de ritmo, como qualquer música típica de rock, que nos faz mexer os quadris e cantar suas letras em voz alta (se as conhecemos). Tem um refrão cativante e engraçado e nos fala de um mundo que poderia muito bem aparecer em algum círculo do inferno de Dante, onde os loucos têm razão, os tolos têm o poder e tudo está ao contrário.
Amar pelos dois, de Salvador Sobral
Não podíamos terminar este post sem falar de Salvador Sobral, a quem já nós mencionamos anteriormente, pois foi ele o responsável da vitória de Portugal no Festival Eurovisão da Canção realizado em Kyiv em 2017. Foi a primeira vitória de Portugal após 53 anos de participação no festival sendo um dos países com os piores resultados de sua história (em Espanha temos mais em comum com Portugal do que pensamos).
Acostumados como estamos a canções vivas e muito dançantes, embora também muito esquecíveis, a vitória do Salvador Sobral e do seu Amar pelos dois, significou a vitória da sensibilidade, de uma canção dedicada à pessoa querida cantada com muito sentimento, uma grande expressividade por parte de Salvador e uma encenação muito simples.
A música foi composta por sua irmã Luisa, que também foi responsável pelos ensaios na semifinal devido ao delicado estado de saúde de Salvador. Luisa se tornou a primeira compositora feminina a vencer no Eurovisão.
Atualmente continua a dedicar-se à sua música, com influências de jazz e música alternativa, tem 2 álbuns de estúdio e esperamos que continue a dar-nos a sua sensibilidade em muitas mais canções.

(Madri, 1988). Azahara P. Navas é formada em Engenharia Química pela Universidade Complutense de Madrid e atualmente trabalha como tradutora de idiomas com conhecimentos de inglês, francês, alemão e grego.